o poeta escreve e pensa
nem sempre pensa o que escreve
nem sempre escreve o que pensa
todavia pensa…
e escreve…
letra em trajes camuflados
de pieguice
remorso
tédio e aleivosias
rondando as entrelinhas
caminha e acelera o dia
de noite voa e vagueia
sua mente serpenteia
transbordante se esvazia
se então fenece o poeta
permanece a poesia
arquivos do mes de agosto, 2005
sina poética
surreal
meditava tão tristonho
quando os olhos eu fechei
nem podia imaginar
o mergulho tão real
aliás tão surreal
que eu ainda nem sei
se é um sonho
ou já acordei…
insone
poeta versa poeta
fazendo versos reféns
a palavra não tem dono
e me apossei do verbo
tudo é tão fugaz!
o que é importante?
O que não é?!…
todos estão com calor
eu me agasalho
se parecem vivos
eu me amortalho
corro da morte e não morro
só grito por socorro
acordo esbaforido é madrugada
mambembe o coração dispara
e isso se repete tantas vezes
que já me acostumei
aliviado então me acalmo
e durmo o sono dos infantes
passado o renitente pesadelo…
cães e gatos
o soneto não avança
na minuciosa escolha das palavras
seu impacto balança
curiosos os olhos apenas olham
e algumas lágrimas ameaçam
às vezes o cansaço sobrevém
quando a caneta empaca e rosna
feito um cão injuriado
às exigências de seu dono
só à força dos agrados
acalma e se deita sob a mesa
e alguém já notou a pachorra dos cães?!
são tão volúveis
não… acho que volúveis são os gatos
mas o assunto eram sonetos
sonetos preguiçosos
parecidos como os gatos
porque os gatos são mesmo preguiçosos
por isso sempre preferi os cães…
possível regresso
Era um belo rapaz mas para mim não passava de uma criança grande de olhos castanhos.
Algum relaxo nas roupas provavelmente sem trocar há dois ou tres dias. Parecia perambular sem ter aonde ir… Perguntei seu nome, idade e a resposta foi 17. 17?
Sim, tenho 17 porque nasci em 88.
Ok, mas qual é o seu nome?
Você não sabe?!
Como eu saberia seu nome?
Quem são seus pais?
Você não sabe?!
Aonde você mora?
Acho que você sabe!
Onde está indo?
Estava procurando meu pai!
Posso ajudar você?!
Pode sim… agora preciso algo para comer.
Fomos até à padaria e o vi sorver avidamente uma jarra de frapê acompanhada de dois sanduíches de presunto e queijo. Ofereceu-me mas recusei. Era visível a sua satisfação. Ele mesmo pagou a conta e eu fiquei sem saber o que fazer, ali em sua frente. Aproximou-se de mim, abraçou-me demoradamente e disse:
pai, vamos pra casa?!…
remendo sem nexo
juntar os estilhaços
espelhos pontiagudos
muita cola e paciência
na imperfeita junção
em perfeita aderência
pelo visgo salutar
já não dá pra descolar
o rio não vai voltar
nas visões bruxoleantes
das argolas coloridas
sem partida, sem chegada
é esta a luta da vida
à lucidez desabrida
da morte que até morreu
da vida que já viveu
todos nós – tu, ele e eu…
Dia dos Pais
O que falar?!
Não sei o que dizer
Muitos pensamentos
Poucas palavras
Que não foram ditas a tempo
e permanecem caladas
Eu podia ter dito tantas vezes
Pai
Eu te amo!…
Sob o cobertor
tiquetaques
além do olhar
cerrar as pálpebras
em ciclos e repetições
dia e noite
vigília e sono
até que certo dia não clareie
e a noite permaneça!…
mas mesmo assim
no coração que sente
e no registro da mente
um repetido badalar
pra despertar
e adormecer
a vida lentamente
………………………….
caminhos
a postura displicente
não deixava que eu enxergasse
o que havia para ver
o que eu queria conhecer
atrás do sorriso estampado
que escondia alguma dor
mudando a cor do olhar
era o que eu podia imaginar
um abraço não cabia
nenhuma palavra fluia
nem coincidência de olhares
em direções opostas
ocupávamos um banco do vagão
na solitária contramão
sem saber aonde iríamos
cada um…
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