o vento me convida
a abandonar o cais
e em remadas fortes
rumando o alto mar
o continente se apequena
e uma paz serena
balança sem cessar
fecho meus olhos
esqueço tudo
só faço navegar
arquivos do mes de novembro, 2005
levantar âncoras
impasse decisivo
plastificado
com tintas e destempero
flui a mágoa destilada
decifrem as sua dores
não se esforcem – nem precisa…
é só um coração de isopor
e a minha mente de plástico
furada a bolha que sangra
bebido o asco leviano
dos afetos desprezados
baixa a guarda
cai o pano
guarda a seta na aljava
neste final melancólico
os aplausos viram vaias
nas vidas que continuam
basta secarem as lágrimas
vácuo
lavrar poesia crua
desnudada de temperos
fluindo em palavras livres
sentidas e ressentidas
desdenhe um olhar carente
e abraços reticentes
que não consumam fusões
fazendo dois seres serem
um despojado ninguém
com doçuras escondidas
e ternuras esboçadas
porém jamais proclamadas
no silêncio que as retêm
na expressão contundente
proferida de repente
calada quando convém
sonho acordado
Quisera voar e enxergar os campos livremente. Sobrevoar os montes, flutuar por sobre as correntezas. Queria concluir um a um os atos mais corriqueiros do viver. Cumprimentar, sorrir, dizer coisas simples e sem censuras. Porque então sinto truncado o meu agir?! Por que não digo o que penso? Por que calo o que há de melhor em mim?! Vítima do silêncio ou, quem sabe, apenas fugindo da mediocridade das minhas palavras. Por um momento quero ser um verbo. Tento e exprimo apenas a sua forma passiva. Fecho os olhos, cerro os lábios… adormeço. Volto ao começo de tudo e sonho um sonho que não cessa. Por uma noite tornei-me sonhador. Quando acordar não sei de mim. A vida é mesmo assim? Ou tudo não passa de um sonho?!
tambores
naqueles dias de medo
me disfarço em ousadia
fingindo não ter segredos
faço da noite o meu dia
Outro dia eu olhava pela janela descuidado quando, repentinamente, um inseto alado penetrou meu ouvido. Num reflexo estapeei-me produzindo um estampido. Ninguém ouviu, mas aqui dentro de mim, alguma coisa mudou… Eu mudei! Não dava, no entanto, pra filosofar com um corpo estranho e farfalhante se remexendo próximo aos meus tímpanos. Corri até a farmácia e mais com sinais do que com palavras apontei minha orelha direita enquanto gemia de medo e dor… Uma pinça e boa dose de paciência e o atendente retirou o incômodo corpo matado num pé-de-ouvido. Sorri como quem tivesse superado uma bobagem. Mas não. Era algo maior. Sobreveio a morte ao pensamento. Um estampido, um inseto – uma bala perdida, um gemido. O que teria sido de mim?! Olhei de novo pela janela… mas já não readquiri aquele olhar descuidado!…
é hoje
não sei do amanhã
e vou tentando programá-lo
o futuro é um fog iluminado
que comporta algumas sombras
estou num lugar chamado hoje
só conheço o caminho do passado
e houveram alguns passos mal dados
mas creio que acertei a maior parte
ou aqui não estaria
não seria e nem veria
mas é hoje e aqui estou
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