O olhar embaçado e a visão turva. O tempo se arrastava lentamente e as luzes brancas do teto lhe eram desconfortáveis. Vultos alvos deslizavam pelos corredores e vozes estranhas ressoavam. Aonde estaria?! Sentiu um leve solavanco e percebeu que se movia, ou melhor, que o moviam provavelmente sobre uma maca. Pareceu-lhe estar num hospital. Mas não tinha nenhuma lembrança de qualquer acontecimento que justificasse sua presença em um hospital – nem mesmo alguma dor ou sensação de sofrimento. O movimento vai diminuindo, diminuindo suavemente e agora há uma grande luz diretamente sobre sua cabeça. Uma enorme lua branca em hallos suaves. Sente-se como que ampliando-se e ao mesmo tempo se tornando leve, leve… Mais vultos se aceleram à sua volta e ouve vozes agitadas. Parece que lhe colocam uma máscara e um frescor intenso invade seus pulmões. Sente-se flutuando… flutuando, flutuando… Parece que chegara a sua hora de voar.
arquivos do mes de março, 2007
morno luar
o que mais gosto da rotina
é retomá-la após as fugas em nuances
à permissão aos fogos fátuos de loucuras
morder e devorar pequenas gostosuras
e me lamber no pódio
sob os holofotes
deitar e deleitar na relva
à luz do teu olhar
precisa seta que invade
minha meta
fonte de delírios
frente ao marasmo do meu dia-a-dia
a rendição do gozo em fantasia
e se refulge em brilhos
no encaixe destes trilhos
caminho percorrido
desnudo e seduzido
teu corpo morno enluarado
pantera que me tem
me enrosca, encilha
e tanto me faz bem
elogio da rotina
rejeito as surpresas
os sustos e sobressaltos
sou adepto da rotina
que não precisa ser de tédio
cansaço e covardia
ela pode ser segura
e pode ser serena e tranquila
pois ela tece o fio da vida
e nos permite
conhecer o antes
o durante
e algo do depois
permite a previsão
dos planos e contratos
os negócios concretos
e os abstratos
na boa rotina que criamos
a gente sempre
sabe o que vem
o que pode
o que faz…
andarilhando
um apito agoniante
e o farol soturno
não assustam o andarilho
nem mesmo o freio que lancina
ele segue olhando
a luz à esmo
sem ressalvas
a visão se ofusca
pela intensa claridade
se dá por inteiro
na soma das metades
dos seus devaneios
de cegueira e insanidade
irrompem enxurradas de questões
sobre o ser
o ente
o seu fim de madrugada
pensante vagabundo
descarrilhado nos dormentes
na derrocada investida
que o arremete ao nada…
fagulhas vãs
o começo é fácil
difícil é terminar
e quando termina
é complicado recomeçar
então o melhor
é manter a essência inalterada
fazendo as alterações mínimas
imperceptíveis aos olhos
só depois de algum tempo
de muito tempo, aliás
a mudança é real
mas não foi percebida
apenas quando a gente olha
uma foto antiga
uma carta esmaecida
se percebe
na água-com-açúcar de agora
o encorpado vinho de outrora
no mais se devem
evitar as redundâncias
e as inconveniências
além das militâncias
e os patrulhamentos
porque não há nada mais chato
que aquele cara que sempre sabe
o que é devido
e o que não é
com seu crivo cínico
e o seu olho clínico
sempre a reprovar
otário!…
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