Tinha um monte de ideias guardadas a explanar, mas o calor exagerado me deixou inerte feito um lagarto preguiçoso na areia escaldante. Falar do tempo denota falta de assunto e a verdade é que o meu processo de decantação é bastante lento. Pacientemente lanço o meu anzol com iscas feitas de letras e sinais gráficos de pouco uso – o meu plano sempre foi o de pescar as melhores palavras e alinhá-las com cuidado na formação de frases que façam algum sentido. As palavras ainda não formadas convenientemente devolvo para o fundo do meu mar de ideias – dando-lhes mais tempo para maturarem. Matuto empertigado em busca de novas palavras, novas frases que sejam minimamente convincentes pois sei que os poucos leitores que se arriscam a estas plagas virtuais são bastante exigentes… Tenho o direito a um pouco de nonsense para apaziguar as inclemências da vida e estimular-me a vencer a preguiça. Sinto o meu olhar amolecido e vou me movendo em passos descuidados – sem direção, sem rumo, sem um destino definido. Sei o que não sou mas essa definição negativa ocuparia muito espaço escrito e, em compensação, estou longe de conseguir a definição fiel daquilo que sou. Penso, existo – mas ainda assim duvido sistematicamente de grande parte das verdades que preciso afirmar, afinal, quem sou? De onde vim? Para onde vou?
Por enquanto me alimento das perguntas com o propósito de em algum momento regurgitar pelo menos algumas das respostas que satisfaçam meu desejo de saber o que será de mim…
arquivos do mes de janeiro, 2011
o que será que será
solidão de fé
O ser humano nasce só e vive na ilusão de muitas companhias, mas no seu inescapável final, vai morrer solitário mesmo se houverem muitas pessoas queridas ao redor. Não se compartilha o ato de morrer. A morte é, ainda mais que o nascimento, um ato tremendamente solitário. Há um que morre e os outros podem apenas assistir – nada mais que isto.
O que é morrer, afinal? Todos os que morreram não podem compartilhar de sua experiência e então resta apenas a fé para os que a têm e o ceticismo aos demais. A fé há de ser minha companhia até o momento derradeiro nesta instância de vida porque depois ela terá que desaparecer. Restará apenas o amor – o vivido antes e o infinito que se espera para depois.
Eu creio e isso é o único alívio que possuo diante das angústias da experiência de existir…
Mas essa pequena chama que fumega em minha alma é toda a diferença entre o cético sofredor que já fui um dia – e o crente expectante, apesar das tantas dúvidas – que a partir de um certo dia, eu mesmo passei a ser.
fenda e parafuso
.
o parafuso entontece
confuso em volta de si mesmo
se aprofunda e morre extenuado
jaz agarrado à cova que cavara
e agora nele se penduram chapéus
folhinhas de paisagens e mulheres nuas
segura ainda um vaso de xaxim e sua rosa
calo o non sense
pois ando muito prosa
e já pressinto o breque
de um pensamento brusco
(¿Por qué no te callas?)
PS.: sessão antiquário, com suaves adaptações (08/jan/2003)
vida de cachorro
Olhei ao meu redor abanando o rabo mas logo percebi que minha dona estava com cara de poucos amigos. À minha aproximação amistosa enxotou-me com uma toalha molhada. Não sei o que mais me doeu, se as pancadas ou o olhar de desprezo estampado em sua face crispada. Fugi para o fundo do quintal enquanto ela desfiava uma série de impropérios, típicos daqueles momentos de fúria da espécie humana. Mas ela não era assim, – ao contrário, – habitualmente era meiga e carinhosa, banhava e me alimentava com um olhar terno e maternal. A vida de cachorro não me era de todo ruim – particularmente desde aquele fatídico dia em que fui atropelado – e ela, num gesto de remorso, levou-me ferido para a sua casa. Confesso que estava em condições pestilentas e nem sei como ela conseguiu vencer a repulsa inicial para em seguida me agasalhar em seu carro e me levar consigo. Seu marido estava gravemente enfermo, era portador de um cancer de colon com metástases generalizados e já em fase terminal. Faleceu dias depois e por alguns meses ela se tornou uma espécie de autômato distante. Depois passou a receber aqueles homens asquerosos – ao menos para a minha sensibilidade canina – mas eram amigos seus que vinham ao fim do dia e pernoitavam com ela. Ela jamais permitiu que se aproximassem de mim porque eu me sentia incomodado e agressivo na presença daqueles seus interesseiros convivas que, invariavelmente, se esgueiravam sorrateiros em direção à rua em cada manhã. Apesar disso não me deixou sem os cuidados básicos, dispensando-me vacinação, banhos, tosa e alimentação quotidiana e, por alguns dias até me albergou em um canil para viajar com um daqueles seus amigos que passou a venerar com grande dedicação, fazendo aumentar potencialmente a minha raiva e frustração. Ao voltar ela pareceu bastante animada, até alugou um trailler confortável que atrelou em uma caminhonete e por alguns dias eu, ela e seu amigo a quem aprendi tolerar para não aborrecê-la, estivemos viajando para diversos lugares aprazíveis. Apesar da minha resistência a seu amigo que, diga-se, sempre tratou-me com decência, aqueles dias foram os mais felizes da nossa convivência… Então não compreendo o que ocorre nesta manhã que a parece perturbar tanto e, espere… lá vem ela apressada em minha direção. Empunha um objeto prateado e reluzente. Parece mais calma. Senta-se ao meu lado e me alisa o dorso com suas mãos quentes e aconchegantes. Fica assim por um longo tempo até que adormeço. De repente um estampido me desperta assustado e em seguida a sinto debruçada sobre mim. Nada se ouve além dos meus ganidos.
Com minha experiência de cachorro, pensei que a conhecesse – mas vejo não passo mesmo de um viralatas perdido com a inevitável sina de viver sem dono.
bendito fruto
.
a semente gera o fruto
eu sou o fruto e a semente
e é melhor não me iludir
que antes e depois de mim
a multidão inclemente…
secreto
.
o segredo que não presta
é só um pouco do veneno
que teu frasco tão pequeno
deixa escorrer pela fresta…
-
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