Eu podia escrever um livro de auto ajuda. Mas já há tantos. Eu poderia escrever algumas receitas, mas tudo já está devidamente catalogado. Criar seria apenas variar alguns detalhes. Eu podia escrever um livro de sonetos, mas isso poderia encher a paciência de dois ou tres leitores que teriam a pachorra de o ler. Eu poderia fazer um album das minhas melhores fotos e talvez eu conseguisse meia dúzia. Eu poderia deixar de ser pernóstico e criar alguma coisa original, mas a síndrome da mediocridade me contagiou irremediavelmente e já não passo de um pretensioso escritor de bobagens. Me leio consternado. Onde anda aquela antiga verve?! Onde anda escondida aquela poesia? Onde anda a minha paciência em transbordar o açude e burilar palavras pontiagudas? Palavras que feriam a pele dos meus sentidos e furavam meus ouvidos feito aço do arame. O universo anda tão repleto de palavras vazias. Parecem formigas carregando folhas em correições non-sense. Eu gosto de observar os formigueiros e uma vez – ligeiramente embriagado – deitei-me sobre um deles. Algumas lembranças da infância que me assediavam perderam o encanto. Onde anda aquela saudade de mim quando criança? Estou ficando velho – estou ficando amargo?! Não, não pode ser! Odeio velhos carcomidos, reticentes, resmungantes, desvalidos. É de embrulhar o estômago! Eu quero de novo a minha juventude, eu quero o meu elixir da longa vida. Eu quero de novo ser o que sempre fui. Até agora pouco – e como faz tão pouco! Ufa… eu vou é virar essa página!
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