Em tempo de patrulhas e obsessão pelo politicamente correto, estou deveras incomodado com essa lei que suprime as malfadadas sacolinhas plásticas gratuitas dos estabelecimentos comerciais. Só numa estória da carochinha o verdadeiro motivo é proteger a natureza da poluição causada por este material – a verdade do negócio é lucro mesmo e não essa hipocrisia idiota. Se houvesse toda essa preocupação ecológica certamente desapareceriam o isopor, as garrafas pets e todos os mais de 90% de embalagens não degradáveis no meio ambiente. Ah, os mercados agora tem embalagens biodegradáveis, mas vão faturar com isso e não bancar – como faziam até então – o custo das sacolinhas plásticas! Esse frankstein ideológico que é a união dos grandes supermercados e políticos nessa causa fraudulentamente ecológica só podia dar nisso. Todos sorridentes, exceto o povo que paga a conta!
Natalício
Natalício era um rapaz de olhar distante e vazio, esguio para conversas, mas um leão no trabalho do dia a dia. Talvez por isso – sua discreção extremada – as pessoas não o notassem muito, exceto quando faltava ao serviço e suas tarefas precisavam ser executadas por dois de seus colegas de função porque um só nunca dava conta.
Diferentemente de todos os anos em que na segunda quinzena de dezembro férias coletivas interrompiam as atividades da empresa, neste ano, por conta de um aquecimento da economia e uma enxurrada de pedidos fora de época – as ditas férias foram postergadas para a primeira quinzena de janeiro. Então, já viu, nada de folga no período natalino e reveillon.
Ninguém da empresa, portanto, conhecia os estranhos hábitos de Natálicio em tempos de festividades natalinas. Dada a sua costumeira discreção, estranharam inicialmente quando já no dia 16 ele apareceu para trabalhar com a barba por fazer – algo absolutamente inédito em se tratando de Natalício Fontoura Ramos – o seu nome completo. No dia 17, já com a barba bem evidente, para espanto geral, apareceu vestido com uma calça e camisa vermelhas, luvas brancas, além de um cinturão e um par de botas pretas. Como sempre fazia, dirigiu-se ao seu armário, pendurou no cabide suas vestes extravagantes, vestiu seu uniforme de trabalho e executou com o mesmo esmero de sempre a sua tarefa cotidiana. O mesmo aconteceu nos dias 18, 19, 20, 21 e 22 – aparecendo sempre com esse traje que beirava o ridículo, além do crescimento cada vez mais acentuado de sua barba espessa. Folgou no dia 23 porque era domingo, mas no dia 24 todo mundo achou o cúmulo quando ele surgiu na empresa com o mesmo traje berrante, um gorro vermelho e branco na cabeça, um enchimento que deixava enorme a sua barriga e um saco de cetim vermelho às costas e, detalhe, cabelo e barba totalmente pintados de branco. Era o mais legítimo dos papais Noéis.
Sussurros pelos corredores, risadas discretas e escancaradas e um chamado urgente ao Natalício para comparecer ao departamento de pessoal. A direção da empresa barrou a sua entrada naquele dia e aplicou-lhe uma severa advertência e suspensão por um dia, além da ameça de demissão por justa causa em caso de reincidência. Mas ele, aparentemente resignado e até indiferente assinou as advertências e rumou de volta para casa, a pé, cantando Jingle Bells. Na semana depois do Natal não apareceu na empresa e nem deu satisfações. Mas no dia 30 de dezembro, sua mãe compareceu no departamento de pessoal com uma procuração do filho que a enviava com a tarefa de solicitar sua demissão. O presidente da empresa, informado e inconformado com a decisão daquele excelente empregado, pediu que enviassem à sua sala presidencial a mãe procuradora.
Educadamente desejou saber o motivo da atitude demissionária e dona Nadir explicou que o filho era muito tímido e também muito sensível, embora nunca tenha reclamado e não relutasse em cumprir anualmente a promessa que ela fizera quando do seu nascimento que só ocorrera por um milagre, em vista da gravidez ultra complicada e duas ameaças de aborto espontâneo. Ela passara acamada por quase três meses antes do parto, por estrita recomendação médica. O menino nasceu com saúde bastante debilitada, na primeira hora do dia 25 de dezembro e o pai resolvera batizá-lo com o nome de Messias – e só a muito custo foi convencido a concordar com o nome de Natalício, conforme os votos que a mãe fizera em angustioso silêncio momentos antes do parto. E ela também fizera esta promessa ao menino Jesus, se crescesse como ela ardentemente desejava, todo ano ele se vestiria de papai Noel às vésperas do Natal e sairia pelas vilas e casebres distribuindo alegria e presentes para algumas de suas crianças.
Mas ela não se queixava da indiferença das pessoas em relação ao seu filho e nem da reação punitiva da empresa, até havia estranhado que tivesse durado quase 6 anos o mesmo emprego porque nos empregos anteriores ele nem sequer pedira demissão pois sempre fora demitido às vésperas do Natal.
Uma coisa era certa, sentenciou dona Nadir ao presidente, as pessoas não costumam se esforçar para compreender o que lhes parece diferente e até mesmo estúpido, mas ela tinha convicção de que seu filho era um ser humano da melhor estirpe e apesar de saber que sua condição de mãe tornava sua opinião suspeita, ela não se importava e fazia questão de externar o seu grande orgulho pelo filho Natalício. O único senão do temperamento do filho era uma intolerância para com a ignorância e o desrespeito das pessoas quando o julgavam sem o devido conhecimento de suas causas – e nisso ele era irredutível.
Mas que o presidente não se preocupasse pois no próximo ano Natalício daria um jeito de encontrar um novo emprego e pelo menos até a metade de dezembro certamente conseguiria trabalhar em paz…
palavra em cárcere
A palavra mirou abismada o infinito e desejou ter nascido grito para poder expressar o sentimento massacrado em seu ventre silencioso. Mas se sentia só uma palavra muda que jamais dizia nada e vagava reticente, ocupando ora a mente dos amantes ora o coração dos poetas, também ocupava as almas dos desafortunados, a solidão dos mendigos e a insensatez dos perigos. Em seu grande desconforto, por nunca se ouvir falada – flagrou-se enquanto expressão, palavra sem vocação, palavra desanimada.
Tanto ouvira falar do silêncio – o quanto ele era respeitado apenas por cumprir o seu silencioso papel. Mas ela, a palavra omitida, camuflada, desdenhada – palavra jamais pronunciada, nunca teria o respeito, nenhuma admiração. Só ganharia o muxoxo, pena, comiseração – oh palavra miserável, agora aqui prisioneira – por favor livra meu peito e vê se arranja algum jeito, de ser enfim proclamada…
química perigosa
Em tempos de confusão de gêneros a soma se casou com a subtração. Depois da lua-de-mel, como é comum na vida dos casais, vieram os atritos e, na tentativa de pacificar os ânimos os dois adotaram o zero como fator de equilíbrio para o casal. Já a multiplicação, estranhamente resolveu se unir com a divisão, e depois de muitas e muitas operações e noves-foras, obtiveram como herança genética o número um – para os íntimos mais pedantes – number one. Como virou moda na sociedade contemporânea, ambos os casamentos se dissolveram e os dois únicos herdeiros se somaram mas também mutuamente se surrupiaram e subtraíram aos demais e num frenesi de lucros, para mais multiplicar se dividiram, dando origem à família binária e aos reinos da Apple e Microsoft… Até aí sua malícia capitalista apenas engatinhava e nem se pode dizer que ia tão mal, mas o que eles realmente não sabiam é o quanto a descendência ia degenerar com o nascimento do google, onisciente e todo-poderoso, e também com as famigeradas redes sociais – mas isso já é um outro capítulo a ser contado mais tarde!
território abandonado
.
este blog descuidado
por boa dose de tédio
não desconhece o remédio
que o poderia curar
mas padece de preguiça
de um autor que não cobiça
mais trabalho executar
e assim se vai levando
a si próprio enganando
fingindo falta de ar
quem sabe caiba a promessa
e se alguém cair nessa
jura que não vai parar…
silêncio prenhe
Prenhe de palavras, o silêncio reflexivo precede as frases que ultrapassam o vazio da superficialidade, pois a amizade cúmplice não se estabelece com acenos vazios e unilaterais, ela demanda tempo e compromisso, além de livre e mútua adesão.
boca
.
onde tudo começa
e a tritura transforma
sólidos se tornam pastosos
escorregando goela abaixo
e a comida vira gente
com seus cheiros multicores
olores e sons indecorosos
ninguém escapa desta sina
enquanto viver
enquanto comer
e expelir conteúdos elementares…
tentativa poética
.
a poesia é a sombra
do mais tórrido verão
agasalho em noite fria
asas na imensidão
a poesia é escudo
ilumina a escuridão
brisa do dia escaldante
letra de uma canção
a poesia na vida
desafia a frustração
feito águia em pleno vôo
sem tirar os pés do chão…
pesca de arrastão
.
no negror da noite a solidão
ruído espumante das ondas
pés vazios submersos
na mente o sopro dos versos
da canção não entoada
lágrimas na escuridão
ao cansaço que domina
seu autômato caminho
pela praia em novo dia
cata frutos de uma noite
em devaneios, a vida
sonhos e alucinação…
abandono
.
feito canoa envelhecida
com furos importantes
já não flutua
não navega
e entretanto ainda é
uma canoa
furada, largada
canoa que nada
navega enxarcada
nos mares da vida…
-
Meta
memória
- janeiro 2014
- novembro 2013
- março 2013
- janeiro 2013
- dezembro 2012
- novembro 2012
- outubro 2012
- setembro 2012
- agosto 2012
- julho 2012
- junho 2012
- abril 2012
- fevereiro 2012
- dezembro 2011
- novembro 2011
- outubro 2011
- agosto 2011
- junho 2011
- maio 2011
- abril 2011
- março 2011
- fevereiro 2011
- janeiro 2011
- dezembro 2010
- novembro 2010
- outubro 2010
- setembro 2010
- agosto 2010
- julho 2010
- junho 2010
- maio 2010
- fevereiro 2010
- janeiro 2010
- dezembro 2009
- outubro 2009
- setembro 2009
- agosto 2009
- julho 2009
- junho 2009
- maio 2009
- abril 2009
- março 2009
- fevereiro 2009
- janeiro 2009
- dezembro 2008
- novembro 2008
- outubro 2008
- setembro 2008
- agosto 2008
- julho 2008
- junho 2008
- maio 2008
- abril 2008
- março 2008
- fevereiro 2008
- janeiro 2008
- dezembro 2007
- novembro 2007
- outubro 2007
- setembro 2007
- agosto 2007
- julho 2007
- junho 2007
- maio 2007
- abril 2007
- março 2007
- fevereiro 2007
- janeiro 2007
- dezembro 2006
- novembro 2006
- outubro 2006
- setembro 2006
- agosto 2006
- julho 2006
- junho 2006
- maio 2006
- abril 2006
- março 2006
- fevereiro 2006
- janeiro 2006
- dezembro 2005
- novembro 2005
- outubro 2005
- setembro 2005
- agosto 2005
- julho 2005
- junho 2005
- maio 2005
- abril 2005
- março 2005
- fevereiro 2005
- janeiro 2005
