H@ vida depois dos 60

…com pensamento, opinião e poesia em doses homeopáticas…

fomes

o pão é a resposta da fome
mas depois de saciados
restam perguntas tantas
sobre a vida,
sobre a morte
e sobre o que nos consome
sou faminto nesse chão
sinto falta desse pão
pra matar a minha fome…

pensado por Tarciso comente    

formigueiro

      Não é por falsa humildade que afirmo saber muito pouco entre todos os saberes, – é mera constatação. E mais, do pouco que sei, a maioria das coisas assustam ou esmagam por revelar o meu real tamanho diminuto. Formigo interiormente, formigam as minhas mãos, o sangue foge formigante nas veias. Me sinto uma formiga em lerdo movimento e vou arrastando um nada que pra mim é folha enorme tombando ora para lá ora para cá – refém do ondulante movimento ou sob o sopro de qualquer vento. Como ela, me lambuzo em doces e traço folhas verdes – mas também me diferencio pelo instinto carnívoro e soçobro à inclinação autodestrutiva me desmontando pensativo em muitas peças mentais que nem sempre se reencaixam. Isso, por vezes, faz de mim triste figura. Então suo, tremo e formigo. Mas, incansável igual a ela, vou insistindo quixotescamente e retomo a caminhada, vergado à folha da vez…

pensado por Tarciso comente    

bom dia

      Quem me vê e enxerga uma imagem de pessoa equilibrada, não vê, contudo, o lastro da história que me trouxe até esse ponto da minha trajetória. Não, não estou pretendendo vitimizar-me – apenas tento utilizar um processo indutivo para chegar a uma generalidade: um retrato atual revela apenas a superfície de alguma situação ou pessoa, não é o ser de alguém que ali se encontra revelado. A busca do equilíbrio pressupõe superações, risos e lágrimas, altos e baixos. A dor eventual é um lastro a garantir um tal equilíbrio. Quem não sofreu ou não sofre alguma dor ocasional? Há quem sofra diturnamente e há até quem cultive um tanto a própria dor. Longe de mim tal escolha, o que eu procuro é o linimento apropriado para cada circunstância causadora de sofrimentos. Procuro eu mesmo ser bálsamo para as pessoas que me rodeiam. Nem sempre o consigo, é certo. Mas continuo insistindo nas tentativas. Também já não me mantenho refém da culpa pelos erros cometidos, como não sucumbo ao canto da sereia dos elogios aos eventuais acertos. Alguma sapiência adquirida com o passar do tempo me ensina que o melhor para se viver bem é viver bem um dia de cada vez. A bíblia – a melhor referência humanística que conheço – o ensina: a cada dia basta o seu cuidado. Me esforço, pois, para ter um bom dia de vida a cada vez! Que bom se o foco de ao menos um olhar iluminar-se com mais estas linhas ainda tecidas no escorregadio limiar da pieguice intimista.

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camadas de escamas

      Neste processo existencial que é longo e trabalhoso, quisera tirar ao menos umas tres novas camadas que me envolvem. Seria tão bom não precisar ensaios e papéis. Melhor seria andar nu e sem vergonhas – tudo bem que isso seja apenas utopia pelo andar da carruagem da humanidade que ainda segue entre sorrisos, acenos educados e assentimentos. Mas ao menos para mim, na ilha desabitada dos meus pensamentos, sei muito bem quem sou – e confesso que já gosto do que vejo no espelho, – não pela estética desgastada dos anos, mas pela redução daquelas camadas mais frívolas erodidas pelo tempo. A concretude do real confere maior densidade ao ser liberto do excesso de hipocrisia asmaticamente sufocante. Apesar de algum cansaço da estrada, um sopro leve de liberdade me permite uma respiração mais regular…

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depois da curva

depois da curva inclinada
que até pode ser a última
se não se conhece o caminho
ou talvez a retomada
no vôo de fazer ninhos
há que voltar pra casa
sempre ao fim dos dias
nenhum lugar é melhor
nenhuma cama tão boa
mergulhar sob as cobertas
nas noites frias de outono
onde os corpos trocam donos
e sonham somente sonham
sonhares alvissareiros…

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tique-taques


      Alguma coisa no tempo me absorve em extenuante trabalho inútil da mente. O tempo passa. Na parede, quase desapercebido – meu relógio muito antigo marca sem saber essa passagem. É máquina, mas é personagem de uma história. Me lembro dos meus primeiros contatos com ele. Seus tique-taques monocórdios só pareciam interrompidos pelo badalar das horas cheias e de suas metades. Criança ingênua – a ingenuidade era minha companheira inseparável – eu via a alma do relógio e desde então eu já sabia que teríamos um caso de posse mútua. Tenho eu esse relógio ou será que ele me tem?! Não sei. Na verdade ele sempre marcou as minhas horas. Mesmo quando eu já não estava por perto e fui embora pra cidade. Primeiro a pequena e depois a grande. Meu relógio – que ainda não era – a esperar num compasso repetitivo e paciente. Tique-taque, tique-taque, tique-taque… Blemblom, blemblom, blemblom… Eram três horas da tarde. O sol a pino e um calor que Deus mandava. Os animais no pasto adivinhavam chuva relinchando, correndo, balindo, pastando. Eu chorava num canto sob o meu relógio… Imaginava febril as horas longínquas que nunca chegavam e que ainda não me deixavam partir. Parece que aquelas lágrimas tiveram o condão de acelerar o tempo que não passava e a partir de então, cada dia mais depressa ele foi passando e desgastando os infindáveis tique-taques do velho relógio pendurado. Anos depois, idas e vindas, depois de tantas mudanças o cansaço das viagens. Tanto quanto a mim ele me pareceu tão cansado da última vez que pude ouvi-lo noite adentro em seu balanço nostálgico e hipnótico… Se movia tão exausto e lento que ao clarear do dia seus ponteiros carcomidos amanheceram parados. Quando o moderno celular me despertou olhei-o lânguida e longamente, mirando as figuras gastas de seu vidro amarelado pelo tempo. Um tristonho desalento me envolveu e não tive coragem de girar sua anacrônica manivela que o obrigaria retomar seus movimentos a demarcar meu tempo. Quedei-me absorto e deixei que permanecessem imóveis seus ponteiros e badalo, e que se calassem os seus tique-taques…

pensado por Tarciso (1) Comentário    

sorrisos

um sorriso não pensado
faz o peso aliviado
dá à vida mais prazer
pensamento anuviado
traz tormentas torrenciais
e quem quer pensar demais
perde o riso encantador…

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segredos

       Expandindo o pensamento anterior, quero explicitar melhor outras nuances daquilo que entendo por verdade. Ela é certamente a mais cobiçada virtude que almejo e cultivo. Entretanto engloba também meus segredos, sem os quais a privacidade – outra exigência vital – seria impensável e impossível. Não deixo de ser verdadeiro quando omito uma ou mais facetas da minha personalidade – especialmente quando não gosto delas ou quando a hipocrisia social as tem por condenáveis. Tenho impulsos, tendências, prepotências e mazelas em relação às quais não teria sentido sair por aí fazendo propaganda. Além daquelas coisas que definitivamente não convêm expor e revelar, existem defeitos para os outros que para mim são virtudes, mas que as regras da boa convivência recomendam que não se as propague, porque, admito – e é verdade, – aspiro também a aprovação social. Um exemplo é quando se tem consciência de possuir determinada qualidade sobre a qual em momento algum se deve pronunciar a respeito porque há uma convenção de que elogio em causa própria é vitupério. Não ficou claro?! Então deixa pra lá… mas é mais ou menos isso. Ser verdadeiro, pois, para mim, não significa viver virado ao avesso arrotando verdades inconvenientes. Ser verdadeiro é uma coisa interna que interessa ao indivíduo como pessoa e que, evidentemente, se torna manifesto em suas atitudes exteriores. Por isso, embora tendo um perfil mais transparente que misterioso, sei respeitar e conviver muito bem com os segredos – os meus e os alheios.

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esforço verdadeiro

      Todo bom é íntegro e nem importa que se apresente em estilhaços, pedaços ou metades. A verdade é uma convicção certeira mesmo que ao fim se revele um engano e perca o conceito de verdade que lhe fora atribuído, mas a mentira não leva nenhum jeito para se tornar verdade. Há quem confunda engodo com verdade. Sabe, aquela mentira repetida à exaustão? Goebels, que foi ministro da propaganda de Hitler engendrou e utilizou uma tal estratégia. De concreto mesmo é que o falso até pode parecer verdadeiro, mas verdade jamais será. Então, se não é possível ser dono da verdade, ao menos é possível o esforço para ser verdadeiro. E esse esforço eu sempre faço porque a mim, creiam-me ou não, só apetece a verdade!

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horizonte

Quando jovem perseguia crédulo o infinito e jurava em breve alcançá-lo. Maduro vivo ainda em seu encalço apesar de sabê-lo inalcançável e fugidio. O que não quero é ficar olhando para trás – também não quero mirar fixa e obsessivamente meu próprio umbigo. Melhor é caminhar sem pressas, toureando as intempéries, superando as inclemências e rudezas própria e alheias. Aspiro belezas pequenas como os perfumes passageiros e todas as coisas que aguçam o melhor dos meus sentidos. Minha contemplação sempre avança circular e concêntrica procurando envolver meus amigos, os entes queridos e todas as pessoas iluminadas que se achegam para construir pontes de afeto e amizade. Com elas ao meu lado quero caminhar sereno e com liberdade rumo ao horizonte que luz…

pensado por Tarciso comente