H@ vida depois dos 60

…com pensamento, opinião e poesia em doses homeopáticas…

gratitude

a gratidão flui sem qualquer controle
porque de certo há tanto por agradecer
desde um sorriso juvenil descomplicado
até o sonho mais dourado e difícil de dizer
passando por venturas e avenidas
que levam a destinos inusitados
a mares nunca antes explorados
e no concreto de cada dia
em suores produtivos
que afastam pensamentos destrutivos
do não ser
do não fazer
da ausência de sentido
eu quero ouvir os risos nas esquinas
e o folguedo dos meninos
e quero ser grato
por mais esse instante
por todos os instantes
pela vida…

pensado por Tarciso comente    

removedor afetivo

tenho um tipo de olhar
reservado para os dias densos
e uma expressão de esgar
para ouvir lamentos
choros convulsivos
e falsos lampejos
em suaves beijos
pura traição
então só me abraço
pra apagar os traços
da desilusão

pensado por Tarciso comente    

vácuo mental

Vamos combinar uma coisa: daqui pra frente tudo vai ser diferente e você vai aprender a ser gente… mas isto me parece plágio de música antiga! Então vamos recomeçar o raciocínio: você percebe a rede que o enleia? Não se sente refém de um universo ao qual você não pertence?! O ser humano é um bicho complexo mas a vida é extremamente simples e depende basicamente de carbono. Mas não, queimamos neurônios e pestanas na tentativa inútil de repensar-nos desde o princípio. E, como no gênesis, descobrimos que no princípio era o caos e para além do gênesis e antes do apocalipse compreendemos que o caos ainda vigora no interior de cada um de nós. O pensamento é um bicho nervoso que nos toma as rédeas e faz o seu próprio curso, e pensar que estou aqui agora comodamente sentado com um fervilhar de idéias desencontradas querendo cada uma se impor simultaneamente. Não dá! A vida é curta e o espaço é amplo, o tempo só é infinito fora do tempo. Aliás, não há tempo na eternidade e talvez todo o tempo que temos ou tenhamos esteja incluído no eterno que virá – se é que já não chegou e estejamos iludidos com a pretensão de estarmos vivos.
Sei lá, quem viver verá…

pensado por Tarciso comente    

serelepe na mente

Quando o experiente senhor trajando um colete cinza se aproximou o serelepe fugiu. Na casa do serelepe todo mundo era muito displicente, o pai serelepe, a mãe serelepe e a serelepada toda… Como pode alguém assim se aproximar de um serelepe como eu, o serelepe pensou. Aí tem coisa! É melhor fugir… Enquanto assim pensava e dava passinhos apressados em sua fuga repentina o serelepe percebeu a imensa sombra móvel que o cobria… o senhor elegante também corria e já prestes a alcançá-lo jogou uma toalha sobre o bichinho apressado, prendendo-o no interior daquele pano. Desesperado debateu-se procurando uma saída, mas percebeu que a mão do senhor de certa idade o havia envolvido por sobre a toalha felpuda. Nisso uma algazarra de crianças que corriam se aproximaram gritando em voz alta: pegou vovô? pegou o bichinho para nós? Calma meninos. Calma… Vamos deixar o bichinho se acalmar e depois a gente conversa um pouquinho com ele. A criançada ria e ria das tolices do vovô. Como poderia um serelepe falar?! Só em desenho animado, não na vida real. Mas para espanto da garotada o serelepe falou: a vida é mesmo uma loucura e na falta de inspiração ninguém sabe do que são capazes certos escritores… Acontece que os personagens das histórias vão ganhando autonomia e deixam louco o louco que as cria. E para corrigir essa espécie de efeito borboleta o escritor escreve… escreve… escreve… A garotada se cansou daquela história – crianças são mesmo impacientes – e os pirralhos foram brincar de bola no quintal vizinho. Só ficaram ali os dois, igualmente pensativos, o vô que escrevia e o serelepe aprisionado nas toalhas de sua fantasia…

pensado por Tarciso comente    

formigamentos

Também hoje quero divagar, pois que divago todo dia. A cordinha do pensamento se rompeu e aonde vou parar nem sei. Eu penso no turbilhão dos séculos e das galáxias enquanto miro pequenas formigas passeando sobre o vidro translúcido da minha janela ornada exteriormente por pequenas gotas brilhantes e orvalhadas. Cada formiga é um universo inteiro, nem que seja um universo de formiga. Estranho como elas tem tantas patas e como não se consegue definir sua fisionomia para uma identificação individual. Como é seu nome dona formiguinha?!. O universo me parece tão grande que tende ao absurdo. E eu, e quanto a mim?! Quem sou; de onde vim; pra onde vou?! Será que tudo se transformará numa grande nebulosa?! Há pequenos prazeres, pequenas dores. Há grandes prazeres e grandes dores. Há deleites extremos e tragédias. Aviões também caem e matam gente. Raramente – mas caem! Então uma dor repentina choca uma nação. Notícias, manchetes, teorias e explicações em tantas páginas de jornal. Enquanto isso se sucedem mortes no varejo dos motoqueiros nas ruas das metrópoles, dos motoristas e passageiros nas rodovias descuidadas, dos trabalhadores ribeirinhos em barcaças naufragadas, das vítimas das balas perdidas nas vielas, dos pacientes nos corredores dos grandes hospitais abandonados – mortes que povoam as estatísticas sem causar essa comoção generalizada…. Já quanto aos trágicos eventos aéreos, todos – invariavelmente, desde o presidente ao grande latifundiário, do miserável ao grande otário, o vereador, o senador e o deputado e até mesmo o seu vigário e o alcaide encabulado expressam com frases calculadas sua mesmice ou seu pesar. Só as formigas não parecem se preocupar e passeiam nas fuselagens acidentadas como se fossem suas casas, como se fossem sua pátria, como se nada tivesse acontecido… Acabei de comer um pudim cremoso e ainda trago seu sabor em minha mente, e na embalagem lambuzada que o continha eu vislumbro – pasmem – formigas da fuselagem carbonizada… Essa visão turva até me faz parecer que tudo não passa de formigueiros e formigas!
pensado por Tarciso comente    

da força dos acontecimentos

A escrita anda em fase de hibernação, preguiçosamente acomodada nos desvãos da mente e com pouquíssima disposição para romper a inércia. Os acontecimentos tem sido fortes no meu entorno existencial, – especialmente o grave acidente aéreo com duas centenas de mortos no meio de uma crise da aviação como nunca se tinha visto antes neste país. Caso dramático, lamentável e profundamente triste para toda uma nação e, em especial, para os familiares das vítimas que tiveram tragicamente ceifadas as suas vidas. Além disso – a vida segue – aconteceu o Pan no Rio de Janeiro que apresentou um Brasil esportivo em ascensão em diversas modalidades, algumas tradicionais como o futebol feminino, o voleibol masculino, a garotada das ginásticas artísticas e rítmicas, o atletismo e outras modalidades de menor evidência como o taekwondo, o remo e a esgrima, entre outros. Provavelmente o Brasil conseguirá superar Cuba na próxima edição dos jogos Pan-Americanos de Guadalajara no México, em 2011.
No plano pessoal também passei por momentos marcantes pois eu e minha mulher celebramos bodas de prata no último dia 31. Pena que a viagem que fizemos antecipadamente tenha sido num período de muitas chuvas e praticamente interrompida pela consternação que nos causou o acidente do avião da Tam. Mas, como eu já disse, é preciso continuar a vida e esperamos que todas as pessoas envolvidas superem a dor e o trauma tão cedo quanto possível na circunstância…

pensado por Tarciso comente    

frio da tarde

A vantagem do silêncio é que se pode ouvir todos os ruídos imperceptíveis, os zumbidos da mente e até os zunidos dementes que vagueiam pela cabeça oca que transporto sobre meu tronco amortecido… o vinagre é ácido mas tempera e ajuda a cauterizar pensamentos doloridos… qual é o sentido de viver feito um robô (no automático?!). Um aroma suave invade a sala trazido pelo vento vespertino, lá fora balançam os pinheiros que me parecem tristonhos mas ainda assim dispostos a ceder algo do seu perfume para tornar mais aprazível a angústia esmaecida do momento. Me sinto insosso em tardes frias – e ainda assim sereno. Sabe quando sua audição parece tão ampliada que você ouve o que não se diz, quando a sua mente parece tão aberta que você pensa o impensável, quando a sua vida parece tão leve que você praticamente flutua?!… Hoje eu queria me sentir assim. Mas o frio úmido dessa tarde não vai permitir… espero o sol voltar a iluminar ao meu redor e novamente haver calor dentro de mim…

pensado por Tarciso comente    

tudo e nada

os conteúdos vazios
preencheram todo o nada
e agora enluarada
esta sua alma plena
voa tranquila e serena
rumo ao tudo
rumo ao nada…

pensado por Tarciso comente    

amaro ácido

Eu podia escrever um livro de auto ajuda. Mas já há tantos. Eu poderia escrever algumas receitas, mas tudo já está devidamente catalogado. Criar seria apenas variar alguns detalhes. Eu podia escrever um livro de sonetos, mas isso poderia encher a paciência de dois ou tres leitores que teriam a pachorra de o ler. Eu poderia fazer um album das minhas melhores fotos e talvez eu conseguisse meia dúzia. Eu poderia deixar de ser pernóstico e criar alguma coisa original, mas a síndrome da mediocridade me contagiou irremediavelmente e já não passo de um pretensioso escritor de bobagens. Me leio consternado. Onde anda aquela antiga verve?! Onde anda escondida aquela poesia? Onde anda a minha paciência em transbordar o açude e burilar palavras pontiagudas? Palavras que feriam a pele dos meus sentidos e furavam meus ouvidos feito aço do arame. O universo anda tão repleto de palavras vazias. Parecem formigas carregando folhas em correições non-sense. Eu gosto de observar os formigueiros e uma vez – ligeiramente embriagado – deitei-me sobre um deles. Algumas lembranças da infância que me assediavam perderam o encanto. Onde anda aquela saudade de mim quando criança? Estou ficando velho – estou ficando amargo?! Não, não pode ser! Odeio velhos carcomidos, reticentes, resmungantes, desvalidos. É de embrulhar o estômago! Eu quero de novo a minha juventude, eu quero o meu elixir da longa vida. Eu quero de novo ser o que sempre fui. Até agora pouco – e como faz tão pouco! Ufa… eu vou é virar essa página!

pensado por Tarciso comente    

verso e reverso

Todos os poemas enfrentam o vazio da expressão e a ânsia de revelar segredos que o poeta procura desvelar para si mesmo. Poeta e poesia são namorados na inspiração, noivos na redação e casados na consumação do poema. Um par perfeito e longe da perfeição que é perseguida pela pena do poeta – a sua meta em versos de expressar a plenitude da verdade que ele traz adormecida, regalada e escondida no fundo do coração.

pensado por Tarciso comente