Olhei ao meu redor abanando o rabo mas logo percebi que minha dona estava com cara de poucos amigos. À minha aproximação amistosa enxotou-me com uma toalha molhada. Não sei o que mais me doeu, se as pancadas ou o olhar de desprezo estampado em sua face crispada. Fugi para o fundo do quintal enquanto ela desfiava uma série de impropérios, típicos daqueles momentos de fúria da espécie humana. Mas ela não era assim, – ao contrário, – habitualmente era meiga e carinhosa, banhava e me alimentava com um olhar terno e maternal. A vida de cachorro não me era de todo ruim – particularmente desde aquele fatídico dia em que fui atropelado – e ela, num gesto de remorso, levou-me ferido para a sua casa. Confesso que estava em condições pestilentas e nem sei como ela conseguiu vencer a repulsa inicial para em seguida me agasalhar em seu carro e me levar consigo. Seu marido estava gravemente enfermo, era portador de um cancer de colon com metástases generalizados e já em fase terminal. Faleceu dias depois e por alguns meses ela se tornou uma espécie de autômato distante. Depois passou a receber aqueles homens asquerosos – ao menos para a minha sensibilidade canina – mas eram amigos seus que vinham ao fim do dia e pernoitavam com ela. Ela jamais permitiu que se aproximassem de mim porque eu me sentia incomodado e agressivo na presença daqueles seus interesseiros convivas que, invariavelmente, se esgueiravam sorrateiros em direção à rua em cada manhã. Apesar disso não me deixou sem os cuidados básicos, dispensando-me vacinação, banhos, tosa e alimentação quotidiana e, por alguns dias até me albergou em um canil para viajar com um daqueles seus amigos que passou a venerar com grande dedicação, fazendo aumentar potencialmente a minha raiva e frustração. Ao voltar ela pareceu bastante animada, até alugou um trailler confortável que atrelou em uma caminhonete e por alguns dias eu, ela e seu amigo a quem aprendi tolerar para não aborrecê-la, estivemos viajando para diversos lugares aprazíveis. Apesar da minha resistência a seu amigo que, diga-se, sempre tratou-me com decência, aqueles dias foram os mais felizes da nossa convivência… Então não compreendo o que ocorre nesta manhã que a parece perturbar tanto e, espere… lá vem ela apressada em minha direção. Empunha um objeto prateado e reluzente. Parece mais calma. Senta-se ao meu lado e me alisa o dorso com suas mãos quentes e aconchegantes. Fica assim por um longo tempo até que adormeço. De repente um estampido me desperta assustado e em seguida a sinto debruçada sobre mim. Nada se ouve além dos meus ganidos.
Com minha experiência de cachorro, pensei que a conhecesse – mas vejo não passo mesmo de um viralatas perdido com a inevitável sina de viver sem dono.
vida de cachorro
bendito fruto
.
a semente gera o fruto
eu sou o fruto e a semente
e é melhor não me iludir
que antes e depois de mim
a multidão inclemente…
secreto
.
o segredo que não presta
é só um pouco do veneno
que teu frasco tão pequeno
deixa escorrer pela fresta…
impasse dos anos
.
na juventude tudo que é bom apetece
e o pobre jovem só aspira e suspira
sonha com o futuro possibilitador
e o futuro vem depressa
e torna possível o que não era
mas no passado ficaram
aquela sede e aquela fome
poder agora até pode
mas o que então apetecia
já não mais lhe apetece…
primeiro e último
.
no primeiro dia
nada negado
e eu não sabia
fui enganado
a generosidade fria
de alguns trocados
que eu não pedia
dos teus guardados…
no último dia
nada ofertado
e eu queria
ter enganado
misturar minha frieza
com teu calor gelado
a derreter certezas
acumuladas…
coisa pública & privada

As enxurradas tem levado muitas coisas rio abaixo. Sempre acontece isso entre dezembro e janeiro. Além do óbvio sofrimento das vítimas diretas – com muitas mortes e perdas materiais, observa-se que os ciclos da natureza não são compreendidos, respeitados e assimilados pelo ser humano. Uns se instalam em áreas alagadiças por falta de opções somada à ignorância, outros – os que gerem a coisa pública – assistem passivos à inclemência das intempéries e ainda aparecem como pretenso salvadores da pátria frente às câmeras em momentos de calamidades para em seguida placidamente repousarem em seus leitos sempre limpos e bem cheirosos. Planejamento, urbanização, realocação de moradias para os que vivem em áreas de risco – disso não se fala e muito menos se faz. E não se diga que nada há para fazer… há sim, e muito. E o que se pode fazer nem demanda um rio de recursos – mesmo com pouca verba mas com muita vontade política se pode realizar muitas mudanças estruturais nas cidades, especialmente naquelas intensamente povoadas onde é fácil instalar-se o caos e onde, invariavelmente, se instalam as más gestões sucessivas que simplesmente costuram obras de caráter cosmético onde as soluções reclamam medidas estruturais… e na hora do voto o que fazemos?! Botamos lá de novo estes mesmos incompetentes de sempre com a coisa pública mas que sempre se revelam surpreendemente capazes com a privada…
colação de grau
Hoje é o dia em que devo colar grau como bacharelando em teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção.
A cerimônia da colação será precedida de uma missa em ação de graças pela conquista dos alunos com o apoio dos familiares e seu círculo de amigos.
Concluído este capítulo – e para não perder o pique e o ânimo – quero começar um nova aventura acadêmica na maturidade. A partir de fevereiro de 2011 estarei novamente frequentando a academia (PUC-SP), agora em nível de mestrado, na área de Sistemática, mais especificamente em História da Igreja Contemporânea. Pretendo pesquisar e dissertar sobre o Pontificado de Pio XII e as questões candentes de seu posicionamento frente à Shoah (termo preferido a Holocausto, neste contexto).
Volto a escrever sobre isto quando as pedras já estiverem rolando nessa direção…
clima de natal
O clima de dezembro tem nuances, uma do próprio tempo climático – por assim dizer, e outra relativa a uma espécie de sentimento nostálgico de um lado e afetivamente aconchegante, de outro. Mas tem horas que dá raiva do movimento consumista que rola na mídia e no comércio de rua ou mesmo online. Tanta propaganda enganosa prometendo o céu na terra em formato de bens duráveis ou etéreos. Ignoro completamente esse movimento e com isso algumas pessoas até se ressentem comigo imaginando que se não as presenteio é porque não gosto delas. Na verdade, presenteio só os meus netos porque me parece inevitável contemplar as expectativas infantis. Mas o que gosto de fazer nesta época é refletir mais demorada e atentamente sobre o Aniversariante e me esforçar acima do habitual para transmitir calor humano aos que convivem ou vivem próximo de mim pelos mais diversos motivos. Natal, para mim, não tem a ver com Papai Noel ou com uma enxurrada de presentes. Natal é um tempo de construir a paz, sustentada pelo exemplo d’Aquele que é chamado o Príncipe da Paz! (cf Is. 9,6).
tempo eterno
.
fim de um tempo
fim de um ciclo
repetido ano a ano
pensamentos recorrentes
no dobrar de uma esquina
onde a incerteza se revela
e o desconhecido está lá
mostrando a cara
e refazendo as cenas
é o passado no presente
e vamos seguindo avante
desbravando novos tempos
até chegar ao destino
tão temido e desejado
no qual o portal se abra
esvaindo eterno adentro…
menino grande
Ele cresceu mas ainda me lembra o menino adolescente que conheci. Tem um universo interior de uma riqueza invejável e acho que ainda não sabe com toda a clareza a gama multiforme de suas potencialidades. Não acredito no acaso e por isso creio que a amizade que nos une reserva surpresas as mais bonitas. Assim como conheço a sua cara metade, hei de conhecer seus filhos e vê-lo progredir entre sucessos e realizações no âmbito do trabalho, da afetividade familiar e da sua personalidade em franca expansão – mesmo que ele disto não se aperceba tanto. Ah, o nome do menino agora homem, mas que espero conserve sempre alguns traços do menino que um dia conheci… bem, o nome dele é… Maucir!
-
Meta
memória
- janeiro 2014
- novembro 2013
- março 2013
- janeiro 2013
- dezembro 2012
- novembro 2012
- outubro 2012
- setembro 2012
- agosto 2012
- julho 2012
- junho 2012
- abril 2012
- fevereiro 2012
- dezembro 2011
- novembro 2011
- outubro 2011
- agosto 2011
- junho 2011
- maio 2011
- abril 2011
- março 2011
- fevereiro 2011
- janeiro 2011
- dezembro 2010
- novembro 2010
- outubro 2010
- setembro 2010
- agosto 2010
- julho 2010
- junho 2010
- maio 2010
- fevereiro 2010
- janeiro 2010
- dezembro 2009
- outubro 2009
- setembro 2009
- agosto 2009
- julho 2009
- junho 2009
- maio 2009
- abril 2009
- março 2009
- fevereiro 2009
- janeiro 2009
- dezembro 2008
- novembro 2008
- outubro 2008
- setembro 2008
- agosto 2008
- julho 2008
- junho 2008
- maio 2008
- abril 2008
- março 2008
- fevereiro 2008
- janeiro 2008
- dezembro 2007
- novembro 2007
- outubro 2007
- setembro 2007
- agosto 2007
- julho 2007
- junho 2007
- maio 2007
- abril 2007
- março 2007
- fevereiro 2007
- janeiro 2007
- dezembro 2006
- novembro 2006
- outubro 2006
- setembro 2006
- agosto 2006
- julho 2006
- junho 2006
- maio 2006
- abril 2006
- março 2006
- fevereiro 2006
- janeiro 2006
- dezembro 2005
- novembro 2005
- outubro 2005
- setembro 2005
- agosto 2005
- julho 2005
- junho 2005
- maio 2005
- abril 2005
- março 2005
- fevereiro 2005
- janeiro 2005